quarta-feira, 14 de setembro de 2011

LEI 11.645/08: UM TIRO PELA CULATRA?




Em 2003 e 2008 o Movimento Negro e Indígena brasileiro conseguiu uma grande vitória com a aprovação da Lei 10.639/03 e 11.645/08, respectivamente. Estas Leis tornam “obrigatório” o ensino da História e Cultura da África e dos afrobrasileiros nas escolas. 

Em termos historiográficos estas leis representam uma vitória, visto que, o Brasil, possui o maior contingente de pessoas oriundas da diáspora africana, e, estes, demograficamente, representam mais de 48% da população com um rico e importante legado na construção da identidade nacional. Porém estes fatores, ao longo da História foram ignorados nos livros didáticos, e inclusive no nosso modelo de educação, que traduzem valores estéticos e ideológicos da cultura européia. 

Comemorar o marco da criação e regulamentação dessas Leis não basta. O efeito mais imediato, sem dúvida, foi fim das louvações à Princesa Isabel e ao 13 de maio e uma maior valorização da figura de Zumbí dos Palmares e do 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. Mas os resquícios de uma sociedade preconceituosa, e de uma mentalidade disfarçadamente racista, ainda persiste em ilustrar a figura dos negros em uma condição de inferioridade. 

Na “melhor” das intenções, o Grupo Escolar Pedro Jerônimo, no desfile cívico de 7 de setembro de 2011, em Itabuna, homenageia Castro Alves, o “poeta dos escravos”, e ilustra o Navio Negreiro. E quando se esperava que as Leis acima citadas representassem uma vitória, notamos que muito ainda há de se discutir. Esta escola, mostra sua face, colocando na Avenida do Cinquentenário, as crianças negras e magras com uma corrente no pescoço, andando atrás do navio, enquanto o “sinhozinho e a sinhazinha” sentados no conforto do navio, esnobavam outros pretinhos que, em uma situação humilhante e deplorável, empurravam o navio. Importante salientar que o “sinhozinho” foi representado pelo neto da Diretora da referida escola. Assim, além de reforçar os estigmas discriminatórios, estabelece uma sutil hierarquia ente as crianças e impõe entre estes um status de “superioridade” de um em relação aos demais, que passam a entender que seus “lugares” estão pré-estabelecidos. 

Apenas uma mãe retirou seu filho e não permitiu que ele desfilasse. Outra mãe comentou que se alguém perguntasse quem era o seu filho, ela não teria coragem de mostrar. Uma terceira mãe exigiu que seu filho calçasse a sandália. As demais, imediatamente calçaram seus filhos. Pior foi o desabafo de uma das crianças no final do desfile: o menino disse para a mãe que no ano que vem não quer desfilar. Vai apenas assistir. Isto porque, certamente se sentiu envergonhado com a forma como foi exposto. Essas crianças poderão, inclusive ser vítimas das “brincadeirinhas racistas”, hoje, disfarçadas de bullying. Nesta lógica, podemos afirmar que o tiro saiu pela culatra. A escola se esconde nas brechas da Lei pra dizer que está trazendo a discussão, mas, de certa forma, está contribuindo para cristalização dos estereótipos. 

Como esta escola, muitas outras, dizendo que está cumprindo o previsto na Lei, optam por “pintar crianças de orixá” ou colocar-los em situações constrangedoras, fortalecendo ainda mais os preconceitos e estereótipos. Isso comprova o despreparo da maioria desses professores. Não pretendo, aqui, afirmar que essa História precisa ser negada, mas ela precisa ser interpretada de um outro ponto de vista, pois, da forma como foi colocada no desfile dá a impressão que nesse período não houve resistência ou que para a liberdade foi necessário, unicamente a boa vontade dos brancos abolicionistas. 

Se, foi a intenção da escola “homenagear” o negro, porque não utilizou Luiz Gama como abolicionista? Porque não lembrou o Levante dos Malês? Porque não citou Luiza Mahin, Abdias do Nascimento, Mestre Pastinha, Mestre Bimba, Mario Gusmão e tantos outros ícones do passado e do presente? 

Itabuna já tem uma Diretoria de Relações Etnicorraciais na Secretaria Municipal de Educação e conta também com uma Comissão Mista que discute no Conselho Municipal de Educação as Diretrizes Curriculares Para o Ensino da História e Cultura Afro na Escola Grapiúna. Mas percebemos que não tem sido o suficiente. Podemos dizer que o empenho da Secretaria de Educação ainda é tímido, visto que quando o tema dos encontros de formação é a questão racial, só participa um ou dois professores por escola, tornando a temática das Relações Etnicorracial um “problema” deste ou daquele educador. Os professores precisam ter acesso ao debate, independente dos seus conceitos ou preconceitos. Os encontros de formação com esta temática devem ser para todos os profissionais da educação e não, apenas, para os que se interessam ou para os que o Diretor da escola indica – como acontece, geralmente, nos encontros de formação da Escola Grapiúna. 

Os grupos organizados de combate ao racismo e a discriminação racial ainda são pouco requisitados pelas escolas para debater tais assuntos e estes precisam ter uma ação mais enérgica no sentido de exigir uma educação anti-racista. Do contrário o uso indevido da Lei que serviria de base para uma educação de respeito às diferenças servirá apenas para constranger, estereotipar e exemplos como o do Grupo Escolar Pedro Jerônimo perpetuar-se-ão, sob o disfarce de está trabalhando a questão racial e será, assim, um tiro a sair pela culatra.

Fonte:
Egnaldo Ferreira França
Estudante de História - UESC
Fundador do Projeto Encantarte e do
Pré - universitário para Afrodescendentes - PREAFRO

3 comentários:

  1. Egnaldo, esta escola e seu corpo pedagógico precisam de ajuda.
    Sou Pesquisadora sobre os efeitos do preconceito racial na sociedade contemporânea e percebo que muitas ações equivocadas são realizadas sem perceber o efeito devastador. A maioria dos professores que atuam nas escolas foram formados a partir de verdades pré estabelecidas que hoje precisam ser revistas. A identidade social destes profissionais introjetaram as ações racistas que precisam ser reconstruídas. Formar a partir da Lei 10.639/03 é urgente,mas, a identidade dos profissionais não deve ser ignorada. Necessitam de novas perspectivas, auto avaliação e o conhecimento real sobre os objetivos acerca da referida lei, sempre que converso com professores sobre a lei a maior barreira é ele mesmo. Falar do ser afro-brasileiro, para muitos é falar do outro, eles não percebem que falam deles, da sociedade na qual interatua. Fiquei chocada com as fotografias e a instituição merecia ser autuada pelo ministério público.

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  2. Egnaldo Ferreira França, tudo na paz? Olha... eu tive o contato com esse material via UCCBA...(faço parte) assim que vir... m dei o trabalho de jogar nas redes sociais ... vc pode ver no facebook..... e em outros espaços que acreditar que seria necessário...... hoje quando voltei ao seu blog sentir que algo de novo ocorreu... queria entender... o que de fato ocorreu... as fotos? vc tirou ou sofeu algum timpo de retaliação ??


    atenciosamente
    Ismael silva

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