Recentemente a imprensa nacional andou divulgando com merecido destaque o cinqüentenário da premiação em Cannes do filme de Anselmo Duarte, “O Pagador de Promessas”. Foi justo resgatar o acontecimento, pois trata-se da primeira e – até agora – a única vez em que o cinema brasileiro conquistou a Palma de Ouro, naquele que é considerado o mais importante festival de cinema, não somente da França, mas de todo o mundo. Para nós, baianos, o fato ganha uma relevância maior, pois o filme foi todo rodado na Bahia e baseado na história de um autor baiano, Dias Gomes.
Contudo, a motivação principal deste meu texto é relembrar o cinqüentenário da premiação internacional de outra produção cinematográfica brasileira, que o resgate do prêmio de “O Pagador de Promessas” teve o mérito de nos fazer recordar. Estou me referindo ao filme “Barravento”, de Glauber Rocha que conquistou em julho de 1962, i. e. um mês depois do festival de Cannes, o prêmio de Jovem Revelação, no Festival Internacional de Karlovy Vary, na Tchecoslováquia (hoje em dia República Tcheca).
Há uma história que liga “Barravento” com o “Pagador de Promessas”. Naquela época eu vivia em Praga, encantadora capital tchecoslovaca, e mantinha uma assídua correspondência com o saudoso amigo Walter da Silveira. Um belo dia recebi dele uma espécie de cartão postal com uma cena de “O Pagador de Promessas”, na qual o Walter fazia uma ponta como dono de um boteco. Deste modo tomei conhecimento de que o filme de Anselmo Duarte estava sendo rodado na Bahia. Tempos depois recebi uma longa carta de Walter, onde ele me contava sobre a sua participação no filme e me dizia que “O Pagador de Promessas” estava inscrito no Concurso do Festival de Cannes e que o produtor Oswaldo Massaini o havia convidado para fazer parte da comitiva do filme e que ele já tinha concordado. Dizia mais – que Ivani (sua esposa) iria acompanhá-lo e que Glauber Rocha, que tinha acabado de finalizar “Barravento”, ia aproveitar a oportunidade para ir junto também, levando o seu filme debaixo do braço.
Ao receber a carta do Walter da Silveira, com tantas informações interessantes, me veio logo à cabeça uma idéia. Como eu mantinha boas relações com o pessoal do cinema tcheco e, sobretudo, com os organizadores do Festival de Karlovy Vary, telefonei logo para marcar um encontro. Conversei com os dirigentes do festival sobre o conteúdo da carta que havia recebido do Brasil e forneci maiores informações a respeito de Walter da Silveira e Glauber Rocha. Depois propus convidá-los para o Festival de Karlovy Vary que ia acontecer pouco depois de Cannes. Tendo em vista o fato que eles já se encontrariam na França ia baratear bastante a viagem. Os dirigentes tchecos toparam a minha sugestão e logo formularam a carta-convite para que Walter fosse palestrante da Tribuna Livre de Karlovy Vary e Glauber Rocha participaria como concorrente com o “Barravento”. Avisei sem demora a Walter e tanto ele como Glauber aceitaram de imediato o convite. Walter apenas exigiu que a sua esposa Ivani o acompanhasse. Tranqüilizei-o que quanto a isto eu acertaria com os tchecos.
Deste modo, em fins de junho de 1962 estava no aeroporto de Praga, aguardando ansiosamente a chegada da delegação baiana ao Festival de Karlovy Vary. Depois do desembarque dos três visitantes e amigos, prosseguimos a viagem em um avião menor, junto com os diretores tchecos, para o famoso balneário da Boêmia, sede do festival.
Glauber ficou deslumbrado com o ambiente e o local, tendo oportunidade de travar conhecimento com outros jovens realizadores, como, por exemplo, Pasolini. Walter, por sua vez, teve uma atuação brilhante na Tribuna Livre do festival e fez amizade com o famoso crítico italiano Guido Aristarco e com o Professor Brousil, Presidente do Júri do Festival e Reitor da Academia de Artes Musicais de Praga.
Quando soubemos que “Barravento” estava entre os filmes premiados, Walter veio falar comigo, muito apreensivo, para tentar convencer Glauber a tomar um banho, fazer a barba e se ajeitar para a solenidade da premiação. Fui ao Grand Hotel Moscou, onde Glauber estava hospedado e transmiti a preocupação do Walter. Ele se abriu numa grande gargalhada, mas se arrumou direitinho como Walter queria e foi ao palco do Palácio do Festival para receber os aplausos e seu primeiro prêmio internacional, como Jovem Revelação. O mesmo prêmio que Nelson Pereira dos Santos já havia conquistado em 1956 com “Rio, Quarenta Graus” e que também Walter Lima Junior iria receber em Karlovy Vary dois anos depois de Glauber com “Menino de Engenho”.
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