segunda-feira, 22 de outubro de 2012

MANIFESTO PELA VIDA DOS GUARANI-KAIOWÁ DE PYELITO KUE/MBARAKAY, IGUATEMI/MS CONTEXTO

Como é possível construir uma nação com uma imagem de calor humano e acolhimento enquanto seus filhos sofrem violência? 

Em Mato Grosso do Sul, o povo Guarani sofre seríssimos danos em relação à perda e manutenção de seus espaços tradicionais, com claras demonstrações de desestruturação social com perda de normas que dão significado à sua permanência na terra. 

Os dados de violência mostram que, desde 2007, houve um descomunal aumento de casos de assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul – um estado que sozinho responde por mais da metade (55,5%) dos assassinatos de indígenas em todo o país. Essas mortes não estão associadas estritamente à luta pela terra, já que grande parte delas também ocorre em terras indígenas, como no caso do município de Dourados: 145MORTES!, QUASE 500% A MAIS QUE NO RESTANTE do Brasil. 

O caso se torna mais desolador quando acompanhamos a quantidade de suicídios, principalmente entre os jovens e que, segundo especialistas, estão ligados ao ambiente de violência em que se encontram os Guarani-Kaiowá. Veja que apenas em 2010 houve 14 suicídios, enquanto no restante do Brasil foram 5 ocorrências deste tipo, ressalvando que os números são baseados nos casos informados. (Sabe-se que muitas famílias preferem enterrar seus mortos e ficar em silêncio). 

Há ainda os números de homicídios culposos (atropelamentos) e, melancolicamente, os aviltantes índices de desnutrição que acometem as crianças e que, entendemos, são também processos de violência. O quadro é alarmante: 4 mil crianças sofrendo por desnutrição entre 2003/2010 entre os Guarani-Kaiowá. 

Não obstante ações da Funai, processos de identificação de terras em andamento e territórios já homologados, é assim que assistimos à enorme desassistência do poder público em todos os níveis (municipal, estadual e federal) em relação aos povos indígenas, mais especificamente aos Guarani-Kaiowá em MS, inclusive em relação à saúde, educação e segurança alimentar. 

Como é possível construir uma imagem de nação prodigiosa na “produção de alimentos” enquanto seus filhos passam fome? 

Embora os guarani sejam conhecidos como uma grande nação, sua organização social se desenvolve em pequenas unidades sociais que têm uma relação de pertencimento com uma unidade territorial: tekoha. Cada tekoha possui seu pajé (ou pajés) e lideranças civis, portanto, a convivência em espaços maiores junto a outros grupos também é fator que gera violência. Além disso, muitas terras indígenas em MS são atravessadas por estradas, o que gera condições favoráveis aos aspectos da violência citados anteriormente. 

Mais do que isso, sabemos que a manutenção dos espaços e, neles, da construção da vida social que se estrutura a partir de normas, não é possível senão a partir das relações com o sagrado, que também remetem a uma unidade territorial autônoma e vinculada a um grupo específico. A exemplo disso, veja-se que a decisão de um grupo de retornar à terra não está baseada numa iniciativa ordinária, mas passa pelo crivo do pajé que consulta os espíritos: norma baseada no sagrado. Parece-nos muito tristemente claro, também, que o quadro de dissolução de diversos grupos e indivíduos é representativo da desintegração de suas bases sociais. E o retorno à terra, com sua retomada e garantia de permanência com qualidade e dignidade, recuperando o bem-viver, é a única forma de resolver o problema. 

O FATO E O ATO 

É nesse lamentável contexto, mas também da decisão de retorno de uma unidade social, que recebemos com espanto (porque ainda é preciso se espantar!) a carta do grupo Guarani-Kaiowá de Puelito Kue/Mbarakay, território ainda não regularizado junto a União, localizado no município de Iguatemi/MS. O documento foi redigido em reação à ordem de despejo expressa pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, em 29/09/2012. 

Nesta carta, o grupo descreve sua triste situação alimentar (1 refeição por dia), com a violência praticada contra seus indivíduos, sistematicamente contra suas lideranças, 4 mortes num grupo de 170 pessoas (2 suicídios e 2 por espancamento e tiros). Estão morrendo aos poucos, sem comida e sem assistência, já que estão cercados por pistoleiros dos fazendeiros locais. A única saída do acampamento é pelo Rio Hovy (30 metros de largura, 3 de profundidade), com um improviso de arames e cipós que são rotineiramente cortados pelos pistoleiros. Portanto, chegaram à conclusão de que irão morrer em pouco tempo, dentro ou fora de Pyelito Kue/Mbarakay e solicitam das autoridades apenas o direito de morrerem todos na terra e aí serem enterrados, anunciando que irão cometer suicídio coletivo! 

Tal convicta decisão nos encheu de espanto e consternação, mas também nos leva à firme convicção de que é preciso levantar nossas vozes contra esta situação, porém, para além disso, A FAVOR DO BEM-VIVER para FORTALECER O RE-EXISTIR. Num gesto de franca solidariedade sem a qual nossa existência também perde o significado. 

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